Introdução
O conceito de interpretação se completa com a referência à norma jurídica. Muitos autores, como Coviello, preferem falar em interpretação das leis. Mas a preferência não se justifica. Não são apenas as leis que precisam ser interpretadas – embora sejam elas o objeto principal da interpretação – , mas também os tratados, acordos ou convenções, os decretos, as medidas provisórias, portarias, despachos, sentenças, usos e costumes, contratos, testamentos.
A linguagem jurídica tem uma designação adequada: “norma jurídica”, abrange, em sua acepção ampla, desde as normas constitucionais até as normas contratuais ou testamentarias, de caráter individual.
É esse o sentido estrito e próprio do termo interpretação. Em sentido amplo, emprega-se, muitas vezes, o vocábulo interpretação para designar não apenas a determinação do significado e alcance de uma norma jurídica existente, mas também, a investigação do principio jurídico a ser aplicado a casos não previstos nas normas vigentes.
A essa atividade da-se, com mais propriedade, a designação de integração da ordem jurídica ou preenchimento das lacunas da lei, da qual nos ocuparemos em explicar como são preenchidas, através dos modos de integração do direito.
1. Conceito
Para CARLOS MAXIMILIANO, a aplicação do direito consiste no enquadrar um caso concreto em a norma jurídica adequada. Submete às prescrições da lei uma relação da vida real; procura e indica o dispositivo adaptável a um fato determinado. Por outras palavras: tem por objeto descobrir o modo e os meios de amparar juridicamente um interesse humano.
SERPA LOPES entende que o método pelo qual o juiz torna efetivo a aplicação do direito é o lógico, pelo processo do silogismo. A esse respeito são unânimes os juristas. Utilizando-se dessa operação lógica, o juiz procede à subsunção da norma jurídica exata aos fatos que lhe são presentes, conhecido previamente o sentido da primeira.
Segundo CARLOS MAXIMILIANO, para se aplicar o direito é preciso examinar:
a) a norma em sua essência, conteúdo e alcance; passando pela análise do sistema jurídico ao qual está inserida, e também pela hermenêutica e pela interpretação;
b) o caso concreto e suas circunstâncias;
c) a adaptação do preceito à hipótese em apreço.
2. Lacunas
A lacuna da lei é um vazio existente no ordenamento legislativo, caracterizando-se assim, a inexistência de uma norma jurídica aplicada in concreto.
Afirma KARL ENGISH que a lacuna é uma incompletude insatisfatória no seio do todo jurídico.
Para LUIZ REGIS PRADO, a lacuna caracteriza-se quando a lei é omissa ou falha em relação a determinado caso. Em uma palavra, há uma incompleição do sistema normativo.
3. Métodos de integração da norma jurídica
A constatação da existência da lacuna ocorre no momento em que o aplicador do direito vai exercer a sua atividade e, não encontra no corpo das leis, um preceito que solucione o caso concreto. Neste instante, estar-se-á constatando a existência de uma lacuna.
Assim, quando o juiz não consegue, pelos meios tradicionais de interpretação da lei, descobrir um princípio aplicável ao caso não previsto, ou então, dentre as fontes formais não possui uma ao caso a decidir, deve servir-se de outros meios para a solução do caso concreto posto à apreciação do Judiciário, pois não pode deixar de sentenciar pela inexistência de direito.
Porém, a própria lei põe à disposição do aplicador do direito, os meios dos quais pode se utilizar para o preenchimento da lacuna existente.
Confira-se a disposição constante do artigo 4º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro que quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
Somados aos meios apontados acima como formas preenchimento das lacunas, a lei admite ainda, outra forma, qual seja, a eqüidade.
O Código de Processo Civil Brasileiro de 1939, em seu artigo 114, dispunha que quando autorizado a decidir por eqüidade, o juiz aplicará a norma que estabeleceria se fosse legislador.
Diante do exposto, pode-se dizer que a própria lei admite a existência das lacunas, trazendo em si, os meios próprios para o preenchimento destas, quais sejam, a analogia, os costumes, os princípios gerais de direito e a eqüidade.
4. Analogia
Afirma MAXIMILIANO que a analogia consiste em aplicar a uma hipótese não prevista em Lei a disposição relativa a um caso semelhante
MARIA HELENA DINIZ entende que a analogia consiste em aplicar a um caso não previsto de modo direto ou específico por uma norma jurídica, uma norma prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundado na identidade do motivo da norma e não da identidade do fato
O fundamento da aplicação da analogia é o princípio da igualdade, segundo o qual, mutatis mutantis, a lei deve tratar igualmente os iguais, na exata medida de sua desigualdade.
A analogia não se confunde com a interpretação extensiva, já que a primeira promove a integração da norma jurídica, e, a segunda, tem por escopo a busca do sentido da norma jurídica.
a. Espécies de Analogias
Há divergência na doutrina quanto às espécies de lacunas, atento para as que prevalecem na majoritária, que divide em legis e iuris.
A analogia legis caracteriza-se pela aplicação de lei a caso semelhante por ela previsto, ou seja, parte de um preceito legal e concreto, e faz a sua aplicação aos casos similares.
De outro lado, tem-se a analogia iuris, esta que se caracteriza pela aplicação de princípios de direito nos casos de inexistência de norma jurídica aplicável.
Para TÉRCIO SAMPAIO DE FERRAZ JÚNIOR, a analogia iuris é uma espécie de conjugação de dois métodos lógicos: a indução e a dedução. A partir de casos particulares obtém-se uma generalização da qual resultam princípios os quais se aplicam, então dedutivamente, a outros casos. É um raciocínio quase-lógico.
FERRARA afirma que o recurso aos princípios gerais de direito não é mais que uma forma de analogia iuris. Porém, com a expressa manifestação, MAXIMILIANO discorda do mencionado autor, já que este acredita ser possível a aplicação dos princípios de forma direta.
5. Costumes
Segundo MAXIMILIANO, o costume é uma norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante da prática diurna e uniforme, que lhe dá força de lei. O autor menciona, ainda, que ao conjunto de tais regras não escritas chama-se Direito Consuetudinário.
O costume é uma norma que deriva da longa prática uniforme, geral e constante repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica
a. Espécies de Costumes
Quanto aos costumes, é mais clara a divisão em suas espécies, no meio doutrinário.
A doutrina divide os costumes em três espécies, quais sejam o secundum legem, o contra legem e o praeter legem.
O secundum legem é aquele dotado de maior prestígio e universalmente aceito, aquele que está previsto na lei, possuindo eficácia obrigatória.
O contra legem é o costume que se forma em sentido contrário da lei, buscando de forma implícita revogar a lei.
Por fim, temos o praeter legem que é a modalidade de costume que substitui a lei nos casos por ela deixados em silêncio, ou seja, supre as lacunas deixadas pela lei.
6. Princípios Gerais do Direito
Os princípios gerais de direito são enunciações normativas de cunho genérico, que condicionam e norteiam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação, quer para a elaboração de novas normas.
Há de se mencionar que os princípios gerais de direito não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direito. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua explicação e integração, sendo que algumas são de tamanha importância que são expressamente contidas em lei.
Diante disso, o método da investigação e aplicação dos princípios gerais de direito, serve para que se possa chegar à determinação de qual princípio é pertinente ao caso concreto, trazido à apreciação do órgão judicante. Para tal, utiliza-se de operação indutiva e o próprio legislador sugere o emprego desse método.
Portanto, para conseguir atingir os princípios gerais de direito deve o juiz, gradativamente, subir por indução, da idéia em foco para outra mais elevada, abstraindo do que há nelas de particular, prosseguindo em generalizações crescentes e sucessivas até obter a solução
7. Equidade
MAXIMILIANO afirma que: a vida sócio-jurídica não é composta de casos gerais, senão de casos concretos e os mais diversos, de onde a simples justiça que se supõe existir na lei nem sempre ser suficiente para atender equilibradamente a essa infinita casuística. Assim, é por vezes mister o suprimento do princípio da justiça contido na lei por intermédio de um outro princípio, àquele semelhante, mas sob outros aspectos mais extensos e mais altos, o princípio da Eqüidade.
É reconhecido que a eqüidade invocável como auxiliar da interpretação e aplicação do direito não se revela somente pelas inspirações da consciência e da razão natural, mas também, e principalmente, pelo estudo atento, pela apreciação inteligente dos textos da lei, dos princípios da ciência jurídica e das necessidades da sociedade
Para Pontes de Miranda, a palavra é “apenas palavra-válvula, com que se dá entrada a todos os elementos intelectuais ou sentimentais que não caibam nos conceitos primaciais do método de interpretação”. Palavra de extrema vacuidade, este conceito está intimamente relacionado às concepções jurídico- filosóficas, não havendo um consenso sobre ele.
Miguel Maria de Serpa Lopes anuncia que a eqüidade se apresenta no plano jurídico com uma tríplice função: a eqüidade na elaboração das leis (espírito idealista); a eqüidade na aplicação do Direito e, finalmente, a eqüidade na interpretação.
A eqüidade, independente das diferentes concepções, serve à hermenêutica e à aplicação do direito. A moderna interpretação do direito auxilia o alcance das disposições legais conforme o interesse da sociedade no momento considerado.
Esta é a justificativa da longevidade do Direito Romano, pois a eqüidade foi aplicada como princípio basilar de suas interpretações.
Eduardo Espínola frisa que a Lei de Introdução ao Código Civil, com muita técnica, deixa claro que a eqüidade não é fonte do direito, pois, enumerando os elementos da integração da ordem jurídica, manda que o aplicador, na omissão da lei, utilize a analogia, ou recorra às duas fontes subsidiárias – o costume e os princípios gerais do direito (art. 4º). E, ainda, o art. 5º, da LICC, considera a eqüidade como capacidade que a norma tem de, atenuando o rigor da lei, adaptar-se ao caso concreto.
BIBLIOGRAFIA
ESPINOLA, E; Espínola Filho, E. A lei de introdução ao código civil brasileiro, p. 189-193.
MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. Ed. Revista dos Tribunais, 25º Edição. 2000 - São Paulo.
FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica Jurídica. Editora Saraiva. 2º Edição. 1988 – São Paulo.
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. Editora Livraria do Advogado, 1999, Porto Alegre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário